Kahal Zur Israel, uma lição de história
por Joel Rechtman
Morashá - Edição 67 - março de 2010
Este ano, os organizadores do evento que homenageia as vítimas do Holocausto elegeram a Sinagoga de Recife como palco desta cerimônia, que contou com a presença do Presidente Luis Inácio Lula da Silva.
A primeira em funcionamento em terras do Novo Mundo, a Sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel foi construída em 1637, durante o período no qual o Recife era governado pelo holandês João Maurício de Nassau e os judeus tinham liberdade religiosa. A comunidade judaica de Recife era constituída em grande parte por membros da Nação Portuguesa, que chegaram ao Brasil vindos da Holanda juntamente com a Missão Holandesa, entre 1630 e 1654. Rapidamente, incorporaram-se à elite local como comerciantes, financiadores dos donos de engenhos de açúcar e mercadores. O grande rabino Isaac Aboab da Fonseca foi trazido de Amsterdam para liderar a comunidade, Kahal Kadosh Zur Israel, o Rochedo de Israel. Com a reconquista da região por Portugal, muitos judeus fugiram de Recife com medo da Inquisição. Entre outros, 23 dos nossos escaparam no navio Valk, que saiu do porto de Recife em julho de 1654, a caminho da Holanda, mas o destino os levou a aportar em novas paragens, a que deram o nome de Nova Amsterdã, hoje Nova York.
Assim que os participantes do evento chegaram a Recife se dirigiram imediatamente ao centro antigo da cidade, à Rua dos Judeus, onde fica a sinagoga. A curiosidade era grande. Cercado de casas antigas, estava o edifício, totalmente restaurado pela Fundação Safra. Fomos recebidos por Tânia Kaufman, historiadora, responsável pelo Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, co-organizadora do evento, que nos acompanhou na visita à sinagoga, exposição e ao Arquivo Histórico. No último andar, a sensação foi de entrar no túnel do tempo. Lá fica o recinto da sinagoga, primorosamente restaurada de acordo com o estilo arquitetônico da época de sua fundação. Parecia que a qualquer momento um judeu do século 17 sentaria ao meu lado para as preces matinais. O evento constava de duas partes: uma cerimônia religiosa na Sinagoga, com capacidade para 140 pessoas, e um ato público em um palco erguido na rua, que receberia as autoridades presentes para discursar ao grande público.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido pelos presidentes da Conib, Claudio Lottenberg, da Federação Israelita de Pernambuco, Ivan Kelner, do Congresso Judaico Latino-Americano, Jack Terpins, e da Congregação Sefardi Paulista, Joseph Safra. O Presidente estava acompanhado de diversas autoridades, entre as quais a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. Presentes, também, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos e seu vice João Lyra Neto; o governador da Bahia, Jacques Wagner; e o prefeito de Recife, João da Costa Bezerra Filho. Compareceram também parlamentares de diversos Estados e o arcebispo de Recife e Olinda, Dom Fernando Saburido. Do plano diplomático, estiveram o embaixador de Israel, Giora Becher, e a encarregada de negócios e ministra-conselheira da embaixada dos EUA, Lisa Kubiske, entre outros.
A delegação da Conib foi composta por Fernando Lottenberg, Octavio Aronis, Henry Chmelnitsky, Jaime Spitzcovsky, Karen Didio Sasson. Estavam também presentes Lea Lozinsky, presidente da Fierj; Vivienne Landhwer, presidente da Associação Israelita de Brasília; Jose Frenkiel, presidente da Federação Israelita do Ceará; Pablo Schejtman, vice-presidente da Federação Israelita do Ceará; Mauricio Szporer, presidente da Federação Israelita da Bahia; e Silvio Musman, presidente da Federação Israelita de Minas Gerais.
O mestre de cerimônias e vice-presidente da Federação Judaica de Pernambuco, Denys Sznyder, iniciou a homenagem às vítimas do Holocausto, convidando o rabino Alex Mizrahi para explicar aos presentes o significado da cerimônia. O chazan Inaldo Schelb foi convidado para recitar os salmos 23 e 24. A seguir, os rabinos Yossi Schildkraut, do Beit Chabad Itaim, e Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista, recitaram o kadish, a reza dos enlutados em memória dos seis milhões de vítimas do Holocausto.
O rabino David Y. Weitman, da Congregação Sefardi Paulista, fez um breve relato histórico da fundação da Kahal Zur Israel. A tradicional cerimônia das seis velas teve início com Ben Abraham, sobrevivente do Holocausto, acompanhado por um aluno da Escola Judaica Moises Schvartz, de Recife, e um chanich do movimento juvenil Habonim Dror. O governador Jacques Wagner e o deputado federal pelo Rio de Janeiro, Marcelo Itagiba, acenderam a segunda vela. A Joseph Safra coube acender a terceira. A quarta foi acesa pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos e pelo prefeito de Recife, João da Costa Bezerra Filho. Os rabinos presentes, em conjunto, acenderam a quinta vela e o presidente Lula encerrou a homenagem acendendo a sexta e última vela.
A segunda parte da cerimônia foi realizada na área externa da sinagoga. O presidente Lula, que pela quinta vez consecutiva participava desta cerimônia, quebrou o protocolo e foi em direção aos sobreviventes homenageados, Ben Abraham e sua esposa, e Póla Bernstein.
Cerca de 600 pessoas se acomodaram em cadeiras colocadas ao longo da Rua do Bom Jesus, como foi renomeada a antiga Rua dos Judeus, para ouvir os discursos dos diversos dirigentes comunitários e autoridades.
O discurso de Claudio Lottenberg era bastante esperado, pois nos últimos meses, como o principal representante da comunidade judaica brasileira, o presidente da Conib se posicionou de maneira firme em relação à visita do presidente do Irã ao Brasil. Estávamos todos em Recife para homenagear aqueles que foram exterminados durante o Holocausto, evento histórico repetidamente negado por esse mandatário. Lottenberg lembrou que a homenagem à memória de seis milhões de seres humanos, brutalmente assassinados pelo nazismo foi idéia de um ilustre filho da terra de Pernambuco, o presidente Lula. Afirmou que a homenagem prestada à memória das vítimas incluía não apenas os judeus mas todos aqueles que os nazistas exterminaram. Disse, também, que todos nós temos o dever de proteger sua memória e, acima de tudo, manter acesa a chama da luta pela liberdade, não nos abstendo de denunciar todos os regimes intolerantes, quaisquer que sejam.
Recordou a tragédia do Haiti e a solidariedade da comunidade judaica que, por intermédio do Hospital Israelita Albert Einstein, enviou uma equipe médica para atender os necessitados. O presidente da Conib disse que confiava no prestígio internacional do Presidente Lula, que poderia tornar-se um valioso instrumento para que o Oriente Médio fosse arrancado do fanatismo para ser recolocado no caminho da paz e do desenvolvimento. Após ressaltar que o relacionamento pessoal entre eles datava de 1993, quando das Macabíadas Mundiais, disse: "Assim, minha atual condição de presidente da Conib impõe que eu zele pelos interesses da comunidade judaica do Brasil, seja o porta-voz das suas preocupações e o interlocutor junto às autoridades constituídas, entre elas - e principalmente - o presidente da República. E o presidente Lula, devo confessar, tem sido, antes e durante os anos de seus mandatos, um ouvinte atento e um negociador paciente de quem se pode divergir no acessório, mas com quem o diálogo leva à conciliação no fundamental". Lottenberg entregou ao presidente um livreto que resume esse relacionamento. "Ele foi preparado com a ajuda de um amigo comum, o jornalista Bernardo Lerer. Um documento é um compromisso. E um compromisso é uma responsabilidade. Jamais esta comunidade e jamais este seu presidente, independentemente do que possa vir a acontecer, abrirão mão desta amizade. Amigo Presidente Lula, tenho certeza de que continuamos juntos, como sempre", finalizou o presidente da Conib.
O Presidente Lula fez um longo discurso. Começou mencionando que a amizade de dois povos tão diferentes já se materializava no século 17, naquela sinagoga, desejando que todos os brasileiros judeus pudessem conhecer aquele importante local, que foi ponto de partida para os que partiram para fundar a cidade de Nova York.
Prosseguiu fazendo uma análise histórica sobre os acontecimentos que culminaram no Holocausto. Mencionou diversas medidas nazistas contra o povo judeu e como estas medidas feriram a democracia. Lembrou as longas conversas que manteve com Shimon Peres e Mahmoud Abbas, em suas recentes visitas ao Brasil, em que trataram da necessidade de paz duradoura no Oriente Médio e os obstáculos que vêm impedindo alcançá-la. Finalmente, confidenciou a todos as palavras dirigidas a Mahmoud Ahmadinejad por ocasião de sua visita ao Brasil: "Mostrei ao presidente do Irã que é impossível negar o Holocausto, que 60 milhões de vidas foram perdidas na 2ª Guerra Mundial em combates, em enfrentamentos de parte à parte. Mas que os seis milhões de judeus não foram mortos em combates, foram exterminados. E ninguém tem o direito de desconhecer o extermínio de tanta gente".
Ouvindo as palavras dos dirigentes comunitários e de nossos mandatários lembramos as sábias palavras de nossos rabinos e líderes espirituais de que nossos jovens devem aprender com nossa história, com a Torá e com nossas festas: Purim que festejamos recentemente e Pessach que, brevemente, nos reunirá em volta da mesa do Seder. Somente assim, poderemos evitar que tragédias como o Holocausto voltem a ocorrer.
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