Donald Snyder / Forward
De certo modo, os gritos de Heil Hitler que freqüentemente saudavam Marcus Ellenberg enquanto ia para a sinagoga de estilo mouro de 107 anos de idade nesta cidade portuária, forçaram este advogado de 32 anos a fazer uma difícil decisão de mudança de vida: temendo pela segurança da sua família, depois de repetidos incidentes anti-semitas, Ellenberg, sua mulher e dois filhos, de forma relutante, desligaram-se e mudaram-se para Israel em maio.
A Suécia, um país considerado um modelo de tolerância, tem, ironicamente sido o refúgio da família de Ellenberg. Seus avos paternos encontraram seu lar em Malmo em 1945, após sobreviver ao Holocausto. Os pais da sua esposa vieram a Malmo, da Polônia em 1968 depois que o governo comunista lançou uma perseguição anti-semita.
Mas, como em muitas outras cidades da Europa, uma população muçulmana em rápido crescimento, vivendo em condições auto-segregadas que parecem aumentar a alienação, tem misturado toxicamente o ódio dirigido às políticas israelenses com ações dos muçulmanos – e de muitos outros não muçulmanos – para transformar as vidas dos judeus locais. Como muitos dos seus correligionários em outras cidades européias, os judeus de Malmo relatam estar sendo sujeitos crescentemente a ameaças, intimidação e violência real em manifestações de apoio a Israel.
“Eu não queria que meus filhos pequenos crescessem nesse ambiente” diz Ellenberg numa entrevista telefônica pouco antes de deixar Malmo. “Não seria bom para eles permanecer em Malmo”.
Malmo, a terceira maior cidade da Suécia, com uma população de aproximadamente 293.900, dos quais somente 760 judeus, atingiu um ponto de mudança mais ou menos em Janeiro de 2009, durante a campanha de Israel em Gaza. Um pequeno grupo, na sua maioria de judeus fez uma passeata que foi projetada como uma demonstração de paz, mas que foi vista como apoio a Israel. Esta demonstração pacífica foi cortada imediatamente quando os manifestantes foram atacados por uma multidão bem maior e vociferante de muçulmanos e esquerdistas suecos que lhes jogaram garrafas e rojões, enquanto a policia parecia incapaz de parar a escalada de agressões físicas.
“Eu estava muito alarmado e contrariado ao mesmo tempo” lembrou Jehoshua Kaufman, um líder da comunidade judaica. “Alarmado porque tinha um monte de pessoas com raiva nos encarando, gritando insultos e jogando garrafas e rojões ao mesmo tempo. O barulho era muito alto. E eu estava zangado porque nós realmente queríamos realizar a manifestação, e não nos estavam permitindo terminá-la”.
Alan Widman, que é um robusto membro do parlamento de quase dois metros de altura e um membro não judeu do Partido Liberal que representa Malmo, falou simplesmente, “Eu nunca tive tanto medo na minha vida”.
Eventualmente os participantes da manifestação foram retirados pela polícia, que não estava presente em um número suficiente como para proteger sua passeata. Porém alguns manifestantes se queixaram que os cães da policia para controle de multidões foram mantidos com a focinheira fechada.
Os Ellenberg não são particularmente religiosos, mas eles têm uma forte identidade judaica e se sentiram incapazes de morar como judeus em Malmo depois deste episódio. Ellenberg diz que ele conhece pelo menos 15 outras famílias judaicas que estão pensando em ir embora.
O anti-semitismo na Europa estava historicamente associado com a extrema direita, porém os judeus entrevistados para este artigo, afirmam que a ameaça na Suécia hoje vem dos muçulmanos e das mudanças nas atitudes em relação aos judeus na sociedade maior.
Saeed Azams, o sheik chefe de Malmo, que representa a maioria dos muçulmanos da cidade, é rápido em repudiar e condenar a violência contra os judeus de Malmo. Recentemente ele, junto com líderes judeus, esteve participando de um grupo de diálogo organizado por funcionários da cidade que procura abordar o assunto. Mas Azams também diminui a seriedade do problema, dizendo que não tem “mais que 100 pessoas, a maioria de menos de 18 anos de idade”, que se engajam na violência e pertencem a gangues de rua. “Há algumas coisas que eu não posso controlar”, falou ele.
Há uma estimativa de 45.000 muçulmanos em Malmo, ou uns 15% da população da cidade. Muitos deles são palestinos, iraquianos e somalis, ou vêm da antiga Iugoslávia.
Mas o problema não é apenas com “muçulmanos”, e não somente de Malmo.
Um problema europeu
Um estudo continental, dirigido pelo Instituto de Pesquisa Interdisciplinar sobre Conflito e Violência da Universidade de Bielefeld na Alemanha, lançado em Dezembro de 2009, encontrou que 45,7% dos europeus pesquisados concordam de alguma forma ou fortemente com a seguinte afirmação “Israel está fazendo uma guerra de exterminação contra os palestinos”. E 37,4% concordaram com a seguinte afirmação: “Considerando a política de Israel eu posso entender porque as pessoas não gostam dos judeus”.
“Há um alto grau de anti-semitismo que está escondido por baixo das críticas às políticas de Israel”, disse Beate Kupper, uma das principais pesquisadoras do estudo, numa entrevista telefônica com Forward , citando estes dados e a tendência a “culpar os judeus em geral pelas políticas de Israel”.
Kupper falou que em lugares onde há um forte tabu contra o uso de expressões anti-semitas como na Alemanha, “a crítica contra Israel é um grande caminho para expressar seu anti-semitismo de uma forma indireta”.
De acordo com Bassam Tibi, professor emérito de Relações Internacionais na Universidade de Goettingen na Alemanha, e autor de vários livros sobre o crescimento do Islã na Europa, os muçulmanos formam uma parte significativa do problema. “O crescimento da diáspora muçulmana na Europa está afetando os judeus”, falou Tibi. Entre algumas populações muçulmanas na Europa – mas não todas – “todo judeu é visto como responsável pelo que Israel está fazendo e pode ser um alvo”.
Em Malmo, o papel da população no problema é visto como significativo. A maioria dos muçulmanos de Malmo vive em Rosengard, a parte mais oriental desta cidade - segregada de fato -, onde o desemprego é de 80%. Antenas parabólicas salpicam os apartamentos dos aranhas-céus para receber a programação de Al-Jazeera e outras redes de cabo em árabe que mantêm os muçulmanos de Malmo constantemente em contato com os mais recentes desenvolvimentos árabe-israelenses.
Sylvia Morfradakis, uma alta funcionária da União Européia que trabalha com os desempregados crônicos, aqueles que têm estado sem trabalho por 10 a 15 anos, disse que o maior motivo para que 80 a 90% dos muçulmanos entre 18 e 34 anos não possam encontrar trabalho é que eles não sabem falar sueco.
“Os empregadores suecos insistem que seus trabalhadores saibam bem sueco, até para os trabalhos baixos”, disse Morfradakis. Ela adiciona “o conceito de bem estar social de ajuda-sem-fim não dá às pessoas o incentivo para fazer alguma coisa para melhorar de vida”.
Mas Per Gudmundson, editor chefe do jornal Svenska Dagbladet, um jornal de grande tiragem na Suécia, é crítico dos políticos que ligam as ações anti-semitas às condições de vida dos muçulmanos. Ele diz que esses políticos oferecem “desculpas brandas” para os adolescentes muçulmanos acusados de crimes anti-semitas. “Os políticos dizem que esses jovens são pobres e oprimidos, e que nós os fizemos sentir ódio. Eles estão dizendo, realmente, que o comportamento desses jovens, de alguma forma, é nossa falta”, disse ele.
De acordo com Gudmundson alguns imigrantes dos países muçulmanos já chegam a Suécia como ardorosos anti-semitas.
A difícil situação dos judeus preocupa Annelie Enochsoh, um membro democrata cristão do parlamento sueco. “Se os judeus se sentem ameaçados na Suécia, então eu me sinto muito assustada sobre o futuro do meu país”, falou ela numa entrevista ao Forward.
A experiência de um rabino do Chabad
Porque ele é o judeu mais visível em Malmo, com seu chapéu de feltro preto, tzitzit e longa barba, o único rabino de Malmo, Shneur Kesselman, 31, é um alvo preferencial para os sentimentos anti-judaicos muçulmanos. O rabino ortodoxo do Chabad diz que durante os seus seis anos na cidade, ele tem sido vítima de mais de 50 incidentes anti-semitas. Kesselman, um americano, é um homem de fala macia, com uma determinação de aço para permanecer em Malmo, apesar do perigo.
Dois membros da Embaixada Americana em Estocolmo o visitaram em abril para discutir a sua segurança. Em relação a Kesselman eles têm bons motivos para se preocupar.
O rabino lembrou o dia em que ele estava atravessando a rua perto da sua casa, junto com sua esposa, quando um carro repentinamente colocou a marcha ré e acelerou em direção a eles. Eles se esquivaram do veículo e mal conseguiram chegar ao outro lado da rua. “Minha esposa ficou aos gritos” diz o rabino. “Foi um evento traumático”.
Os jornais locais reportam que o número de incidentes anti-semitas em Malmo dobrou em 2009 em relação a 2008, embora a polícia não possa confirmar esta informação. Enquanto isso, Fredrik Sieradzki, porta-voz da comunidade judaica de Malmo, estima que, a já pequena população judaica está encolhendo aproximadamente 5% ao ano. “Malmo é um lugar para ir embora”, disse, citando o anti-semitismo como o motivo primordial. “A comunidade era o dobro do seu tamanho duas décadas atrás”. A sinagoga em Foreningsgatan, uma rua elegante, tem uma segurança elaborada. Refletindo o nível de medo, o vidro do prédio não é apenas a prova de balas, falam funcionários da comunidade judaica; é a prova de mísseis. Guardas de segurança revistam os estranhos que procuram entrar na sinagoga.
Alguns pais judeus tentam proteger suas crianças mudando para bairros nos quais há menos muçulmanos nas escolas, como para que os confrontos sejam minimizados. Seis jovens judeus entrevistados relataram abusos anti-semitas por parte dos colegas muçulmanos. De acordo com suas famílias, embora os incidentes fossem reportados às autoridades, nenhum dos perpetradores foi preso, e muito menos punido.
Uma vitima foi Jonathan Tsubarah, 19, o filho de um judeu israelense que se estabeleceu na Suécia. Enquanto ele passeava pela praça de paralelepípedos Gustav Adolph em 21 de agosto de 2009, três homens jovens – um palestino e dois somalis – o pararam e lhe perguntaram de onde ele era – ele lembra.
“Eu sou de Israel”, Tsubarah respondeu.
“Eu sou da Palestina”, um dos agressores retrucou, “e eu vou te matar”.
Os três o empurraram ao chão e bateram-lhe nas costas, diz Tsubarah. “Mata o judeu”, eles gritavam.
“Agora você está orgulhoso de ser um judeu?”.
“Não, não estou não” replicou o jovem desrespeitado. Ele disse que ele fez isso somente para conseguir que eles parassem de lhe bater. Tsubarah planeja ir para Israel e se alistar no exército.
Uma fraca resposta do governo
Muitos judeus culpam a polícia sueca por não controlar o anti-semitismo. A maioria dos crimes de ódio em Malmo são atos de vandalismo, disse Susanne Gosenius, da recém criada Unidade de Crimes de Ódio do Departamento de Polícia de Malmo. Isso inclui pichações com suásticas em prédios. De acordo com Gosenius, a polícia não dá prioridade a este tipo de crimes. “É muito raro que a polícia encontre os perpetradores”, ela disse. “Os suecos não entendem porque suásticas são ruins e como elas ofendem aos judeus”. De acordo com Gosenius, 30% dos crimes de ódio na região de Malmo são anti-semitas.
Os membros do Parlamento têm assistido passeatas anti-Israel nas quais a bandeira israelense foi queimada enquanto as bandeiras do Hamas e do Hezbolla foram hasteadas, e a retórica foi freqüentemente anti-semita e não apenas anti-Israel. Porém está retórica pública não é considerada de ódio e denunciada, diz Henrik Bachner, um escritor e professor de história na Universidade de Lund, perto de Malmo.
“Suécia é um micro-cosmos do anti-semitismo contemporâneo”, diz Charles Small, diretor da Iniciativa da Universidade de Yale para o Estudo do Anti-semitismo. “É uma forma de concordância com o Islã radical, que é diametralmente oposta a tudo o que a Suécia defende.”
Uma iniciativa de diálogo
A situação tem gerado alguns pontos potenciais de luz. Recentemente, Ilmar Reepalu, o prefeito de Malmo, convocou um “fórum de diálogo” que inclui líderes das comunidades muçulmanas e judaicas, bem como altos funcionários da cidade, para melhorar as relações sociais na cidade e a resposta do governo da cidade aos conflitos.
Numa entrevista no seu escritório, o sheik Saeed Azams falou que era errado culpar aos judeus pelos atos de Israel. Azams, que utiliza uma cadeira de rodas, frisou a importância de ensinar aos jovens muçulmanos a parar de igualar os judeus de Malmo com Israel. Mas isso pareceu incluir a idéia de que os judeus, em troca, não deveriam permitir ser vistos como pró - Israel.
“Como a sociedade judaica na Suécia não condena as ações claramente ilegais de Israel”, disse ele, “então as pessoas comuns pensam que os judeus aqui são aliados de Israel, porém isso não é verdade”.
O sheik é um defensor do diálogo com os líderes judeus, e deu as boas vindas à criação do fórum de diálogo. Reepalu, o prefeito de Malmo, tem indicado Bjorn Lagerback, um psicólogo, para ficar responsável pelo recém criado fórum. E Sieradzki, o líder da comunidade judaica, estava otimista sobre as perspectivas para eventualmente melhorar as relações.
Reepalu criou o fórum na esteira da violência do ano passado contra os manifestantes judeus e suas próprias controvertidas expressões que irritaram aos judeus. Dizendo que condenava ambos, Sionismo e anti-semitismo, Reepalu criticou os judeus de Malmo por não se posicionar contra a invasão de Gaza por Israel. “Em vez disso”, disse ele, “eles escolheram organizar uma manifestação no centro de Malmo, que as pessoas interpretaram mal”.
Entrevistado na Prefeitura de Malmo, Lagerback reconheceu uma “situação péssima” em Rosengard, onde caminhões de bombeiros e ambulâncias freqüentemente são apedrejados por jovens muçulmanos raivosos quando estes veículos de emergência passam por lá. Porém como o sheik, ele se apressou em adicionar que aqueles que se engajam em violência eram um número pequeno de pessoas jovens. Ele atribuiu este comportamento às condições de vida de pobreza, moradias superlotadas e desemprego, bem como diferenças culturais.
Expertos suecos concordam que a integração dos muçulmanos à sociedade sueca tem falhado, e isso mina o desenvolvimento de uma sociedade mais diversa. Muitos alunos em escolas muçulmanas muito ortodoxas rejeitam a autoridade de professoras mulheres.
“Nós somos suecos, mas cidadãos de segunda ou terceira classe”, disse Mohammed Abnalheja, vice-presidente da Associação de Moradores Palestinos de Malmo. A organização ensina a crianças de descendência palestina sobre sua ligação à pátria palestina. “Nós temos o direito ao nosso país, Palestina”, ele disse. “Palestina está agora ocupada pelos sionistas”. Abnalheja nasceu de pais palestinos em Baghdad e veio a Malmo com seus pais em 1996. Ele nunca esteve no lugar que chama Palestina.
Enquanto isso, Judith Popinsky de 86 anos de idade, diz que ela já não é mais convidada para falar nas escolas que têm uma maioria de presença muçulmana para contar sua história de sobrevivente do Holocausto.
Popinski encontrou refúgio em Malmo em 1945. Até recentemente ela contava sua história nas escolas de Malmo como parte do programa de estudos do Holocausto. Agora, algumas escolas já não mais chamam sobreviventes para contar suas histórias, porque estudantes muçulmanos os tratam com desrespeito, inclusive ignorando os palestrantes ou saindo da sala de aula.
“Malmo me lembra do anti-semitismo que eu sentia de criança na Polônia antes da guerra”, falou ela a Forward enquanto estava sentada na sala da sua casa, que está enfeitada com tapetes persas e muitos quadros.
“Eu já não estou mais segura como uma judia na Suécia” diz Popinski tremendo e com voz frágil. Mas, ao contrário de outros, ela tenta ficar na Suécia. “Eu não serei uma vítima outra vez”, diz ela.
Tradução: Alberto Milkewitz