sábado, 29 de maio de 2010

Portas Fechadas

João Pereira Coutinho, colunista da Folha de São Paulo

Noam Chomsky foi impedido de entrar em Israel. Ocorreu na semana passada: o famoso linguista do M.I.T. desejava entrar no país. Para ensinar na Universidade Birzeit, em Ramallah, e ter um encontro com o premiê da Autoridade Palestina, Salam Fayyad. Um guarda travou os intentos de Chomsky, interrogou o octogenário durante horas e disse-lhe no fim: Israel não gosta do que você escreve. O ministro do Interior israelense, instado a comentar a atitude do guarda, afirmou tratar-se de um "mal-entendido". E garantiu que a autorização da entrada de Chomsky seria "reavaliada". Chomsky não deseja ser "reavaliado", muito menos por um governo que ele compara regularmente com o regime sul-africano em pleno apartheid. Ou, pior, com a União Soviética: em declarações ao jornal "Haaretz", disse o professor que o comportamento de Israel fazia lembrar o Kremlin do camarada Stálin. A comparação talvez soe um pouco excessiva, uma vez que Chomsky não foi fuzilado de imediato ou, em alternativa, enviado para um campo de concentração na Sibéria local. Mas entendo o estado de espírito do professor Chomsky.

Entendo e solidarizo-me com ele: a ser verdade que o Estado de Israel impediu conscientemente a entrada de Chomsky no território, a atitude é lamentável. E lamentável porque constitui uma negação da democracia pluralista que Israel representa - coisa única no Oriente Médio. Os textos e as posições de Chomsky contra Israel não são do agrado das autoridades? Fato. Como também é um fato que não deve fazer as delícias de Israel as defesas que Chomsky fez de negacionistas do Holocausto, como o infame Robert Faurisson, que teve um prefácio do norte-americano em um dos seus livros antissemitas. Mas pretender punir os críticos externos de qualquer regime, por mais extremistas ou lunáticos que esses críticos sejam, deve merecer o repúdio de qualquer alma liberal que se preze.

Pena que essas almas não abundem por aí. Ou, melhor, só abundam em determinadas situações. Apareceram agora, com o caso Chomsky, prontas a cavalgar a onda antisionista. Nunca aparecem, por exemplo, quando universidades ocidentais desejam boicotar acadêmicos israelenses com o intuito de os impedir de ensinar como forma de punição pelas ações do governo de Israel. Chomsky, nesse capítulo, tem sido exemplar no incitamento ao boicote, no M.I.T. ou em Harvard. Curiosamente, essa forma de intolerância não perturba os humanistas. E, no entanto, ela sempre me pareceu mais grave e mais insidiosa do que a mera interdição de entrada a Chomsky. No caso do professor, existe pelo menos um comportamento público do personagem que podemos singularizar: uma oposição feroz a Israel, muitas vezes com termos de uma profunda violência moral. Nada disso justifica ações de retaliação, repito. Mas essas ações não nascem do nada: elas são uma reação a qualquer coisa de tangível.

O boicote a acadêmicos israelenses nada tem de tangível ou racional. É sempre uma atitude covarde e impessoal, destinada a punir de forma indiscriminada categorias inteiras de seres humanos. Imitando o pior do pensamento totalitário, os boicotes regularmente promovidos por humanistas como Chomsky enfiam no mesmo saco indivíduos de procedências distintas, com formações e até posições distintas face ao governo de Israel. Não existem dois israelenses iguais, como não existem dois brasileiros iguais. E é até provável, tendo em conta o pluralismo intrínseco da sociedade de Israel, que dois israelenses tenham posições radicalmente contrárias sobre o conflito com os palestinos. Basta ler os jornais do país, a sua literatura, o seu cinema.

Mas isso não perturba a grosseira estupidez dos intolerantes. Como nos piores momentos do século XX, a punição é coletiva: ser "israelense" é sempre um crime, tal como na Alemanha do Reich já era um crime ser "judeu". As patrulhas julgam, condenam e fuzilam. A identidade do réu; sua história; sua eventual defesa - nada é considerado nos julgamentos sumários da Academia. Impedir Chomsky de entrar em Israel é um ato vergonhoso; impedir qualquer israelense de ensinar nas universidades ocidentais é um ato imoral. Tão imoral como discriminar povoações inteiras de negros simplesmente porque são negros. A mentalidade do apartheid existe, sim, mas não onde Chomsky imagina.

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