sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Ser Judeu no Século XXI

Há 200 anos, Reb Bunem previu: “Antes da chegada do Messias, existirão rabinos sem Torá, chassídicos sem chassidismo, ricos sem riquezas, verões sem calor, invernos sem frio e grãos sem grãos”.

Poderia ele estar se referindo a rabinos reformistas inspirados mais na filosofia do que na Torá, a movimentos chassídicos que não são senão expressão de fundamentalismo, à ausência de riquezas nos ricos da economia virtual, às transformações climáticas que farão verões gelados e invernos infernais, ou mesmo a transgênicos – grãos que não são grãos?

Seja a era Messiânica, a era de Aquário ou um novo Milênio, aqueles que são dotados de sensibilidade sabem que estamos diante de um período de grandes transformações. Estão sendo extintos conceitos, formas e identidades, que darão lugar a outros conceitos, formas e identidades. O Judaísmo é, sem dúvida, um dos poucos sobreviventes jurássicos da última grande onda de choques civilizatórios que abalou a cultura há 2.000 – 2.500 anos.

Na mudança para uma nova era surgiram Confúcio, Pensadores Gregos, Buda, Jesus e os rabinos. Os últimos, diferentes dos demais, não iniciaram nem romperam com nada. Sua reforma, seu chanuká – re-inauguração – recriou um judaísmo que havia implodido com o mundo da Antiguidade. As identidades não resistiram. Os persas, os gregos, os egípcios, os assírios e outros tantos entraram para a memória. Mas nenhum permaneceu como “am chai” – um povo vivo.

Este sempre foi o grito de guerra e o assombro dos judeus: “am Israel chai” – o povo de Israel é um povo com vitalidade. Vivo não por sobreviver a perseguições, mas por gerar uma civilização experimentada com pertinência e identidade. Este grito será ainda mais impressionante se no século XXII o judaísmo tiver resistido ao estilo suchi-Nasdaq, à revolução silicone-silício, à interatividade sem fronteiras, ao universalismo, à globalização, à miscigenação dos povos e ao coquetel de culturas e mitos deste século XXI.

Se sobreviver ao novo conceito “de si”, que não é mais formado por uma identidade “encontrada” na família ou no grupo, mas por identidades “feitas”, que são construídas – e, freqüentemente reconstruídas – por muitas fontes culturais; se resistir à nova moral que também não é “encontrada”, mas “feita”pelo diálogo e pela escolha; se resistir à volatilidade e à permissividade que enxergam margens e fronteiras, quaisquer que sejam, como construções sociais prontas para serem atravessadas, apagadas ou refeitas; se o que emergir como judaísmo puder ser cantado como chai (vivo) e traçado como continuidade do que nós hoje ainda chamamos judaísmo, então estes serão tempos messiânicos.

Tempos de salvação da raiz “arcaica”(David Melech/David Rei), redimida pelo chai vê-kaiam – vive e existe em nosso tempo! Tempos que perdurarão até que novas transformações desafiem novamente forma e conteúdo, suscitando em algum Reb Bunem futuro a mesma sensibilidade segundo a qual as coisas não serão mais as mesmas. Então, novamente, os tempos messiânicos chegarão, as novas eras e milênios, como dado real da vida que evolui, que se fortalece ou se extingue.

É verdade, há rabinos sem Torá. Não por ilegitimidade, mas porque as mensagens da Torá estão codificadas em outros espaços. A ética e conceitos de transcendência fazem parte do patrimônio globalizado que, obviamente, inclui a Torá. Por sua vez os chassídicos não são mais chassídicos. Em lugar de um movimento popular e com elementos contestatórios, buscam hoje amalgamar as elites e são em si, o braço forte do estabilishment ortodoxo. Os ricos não têm riqueza pois especulam num mundo de valores virtuais. A irrealidade destes valores de posse do que não se tem é diretamente proporcional ao vazio dos valores internos dos indivíduos. Há verões sem calor e invernos sem frio no descuido com o “corpo” mais simbólico que é a nossa Terra. Há grãos que não são grãos diante dos transgênicos e das experiências genéticas de nosso tempo. Esperma que não é esperma, humano que não é humano.

Reb Bunem colocou profeticamente os desafios de nosso tempo:

A universalidade (rabinos sem Torá / Torá sem judeus); o pragmatismo selvagem que faz do chassid um marqueteiro; a globalização e sua perversa concentração de renda (ricos / não ricos); o meio ambiente degradado provocado pelas mudanças climáticas e suas consequências cataclísmicas; e a onipotência científica cuja conquista maior é produzir um grão que não é grão. Esta última conquista destitui o Criador, que é substituído por nossa própria imagem.

Este é o aviltamento ontológico do judaísmo: não só produzir uma imagem, mas que ela seja a nossa imagem.

Tempos difíceis... Tempos messiânicos... Tempos de reinício ou de fim.

Tempos que, se ultrapassados, farão o cantar de am Israel chai ainda mais significativo do que é hoje.

Nilton Bonder e Bernardo Sorj.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Como me libertei do inferno de Auschwitz

Samuel Pisar*

Há 65 anos, os soldados russos do marechal Jukov libertavam Auschwitz, enquanto os exércitos aliados, sob comando do general Eisenhower, se aproximavam de Dachau. Para um sobrevivente desses dois infernos, ainda estar vivo e bem, com uma nova e feliz família que para mim ressuscita aquela que perdi, parece quase surreal. Quando entrei, em 1943, aos 13 anos de idade, no sinistro abatedouro de Eichmann e Mengele, media minha expectativa de vida em dias, ou no máximo em semanas.

Em pleno inverno de 1944, o massacre em Auschwitz atingia seu paroxismo, engolindo judeus, é claro, mas também ciganos, dissidentes políticos, prisioneiros de guerra, resistentes ou homossexuais. Em outras partes, todo mundo já sentia que a Segunda Guerra Mundial chegava ao seu fim. Mas nós, nos campos, não sabíamos de nada.

Perguntávamos: o que está acontecendo lá fora? Onde está Deus? Onde está o papa? Alguém lá fora sabe o que está acontecendo conosco aqui? Eles se importam?

Para nós, isolados do mundo, a Rússia estava quase derrotada. A Inglaterra resistia, acuada. E os Estados Unidos? Estava tão longe, tão dividido. Como poderia salvar nossa civilização frente às forças invisíveis do mal absoluto, antes que fosse tarde demais?

A notícia do desembarque aliado na Normandia demorou muito tempo para chegar até nós, em Birkenau. Os rumores de que o Exército Vermelho avançava sobre o front do Leste pareciam bons demais para ser verdade. Mas, enquanto o chão ruía sob nossos pés, o nervosismo dos nazistas ficava cada vez mais palpável. As câmaras de gás cuspiam fogo e fumaça, mais do que nunca.

Em uma manhã cinza e gelada, nossos guardas ordenaram que fizéssemos uma fila, com seus cães selvagens a postos, e nos expulsaram através do maldito portão do campo, com seu slogan tristemente famoso: “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”). Aqueles dentre nós que ainda estavam aptos para trabalhos forçados seriam evacuados para o interior da Alemanha. Eu já estava embriagado de ansiedade. A salvação parecia tão perto, e tão longe ao mesmo tempo. No último momento, certamente vão matar todos nós. A solução final será concluída. As últimas testemunhas vivas devem ser liquidadas. Como aguentar por um pouco mais de tempo? Eu tinha 15 anos na época, e queria viver.

Nossas marchas da morte, de um campo para outro, continuavam até que nossos torturadores e nós começamos a ouvir explosões ao fundo, que pareciam fogo de artilharia. Em uma tarde, fomos atacados por uma esquadrilha de caças aliados, que nos tomaram. infantaria da Wermacht. Enquanto os SS se jogavam ao chão, com suas metralhadoras atirando para todos os lados, alguém perto de mim gritou: “Fujam!” Arranquei meus tamancos de madeira e corri desesperadamente para a floresta. Lá, me escondi com alguns camaradas, durante semanas, até que fui libertado por um pelotão de soldados americanos. Sim, o milagre aconteceu. Eu estava livre. Meu calvário, meu duelo feroz com o destino havia terminado. Mas ainda não era um final feliz. De repente, me vi diante de um insuportável momento de verdade. Tomei ciência do fato de que estava irremediavelmente sozinho. De que eu era o único sobrevivente de uma grande família. Que todos os rapazes e garotas de minha escola – literalmente todos – também haviam sido exterminados, juntamente com o milhão e meio de crianças que morreram no Holocausto. Todas essas crianças que não viveram, esses escritores que não escreveram, esses músicos que não tocaram, esses sábios que não inventaram, e que teriam enriquecido tanto nosso mundo.

E o que seria de mim? Para onde iria? Minha cidade natal, Bialystok, é uma ruína, ocupada pelos soviéticos. Existiria um lugar nesta terra onde eu poderia me sentir em casa? Ainda não existia Israel nessa época; e o mandato britânico havia fechado as fronteiras da Palestina para os emigrantes judeus. Subi em uma moto potente que havia roubado em uma caserna alemã. Fui percorrendo, dia após dia, as estradas da Baviera como um louco, a uma velocidade incrível, muitas vezes com uma “fraulein” na garupa. Negociei no mercado negro, comprando cigarros de soldados americanos para trocá-los por comida e álcool. Resumindo, derrapei para a autodestruição.

Foi naquele momento que minha tia francesa, Barbara, irmã de minha mãe, e seu marido, Léo Sauvage, jornalista e correspondente de guerra – eles mesmos salvos pelos Justos de Chambon-sur-Lignon – me resgataram dos escombros da Alemanha. Levaram-me a Paris, onde senti o gosto da verdadeira liberdade pela primeira vez. Seis meses depois, fui mandado para o outro lado do mundo, na Austrália, para me esquecer e me recuperar da Europa sanguinária e fratricida de meus pesadelos. E lá comecei minha longa e difícil reabilitação. Pouco a pouco fui me voltando para o futuro. Entendi que sobreviver fisicamente não bastava. Que eu também precisava sobreviver moral, espiritual e intelectualmente. Que a destruição praticada pelo 3º Reich sobre mim e meu povo devia parar.

Foi com uma determinação ilimitada que recomecei a bombear minha adrenalina. Dessa vez, em uma dimensão totalmente diferente, mas com a mesma energia do desespero, como se minha vida dependesse disso novamente. Logo recuperei os seis anos perdidos de estudos. E as universidades de Melbourne, Harvard e Sorbonne fizeram o resto. Aos 25 anos, somente nove anos após minha libertação, tornei-me adido da ONU em Nova York, e depois assessor jurídico no gabinete do diretor-geral da UNESCO. Foi a sede de viver, de aprender e de criar que me levou da escória da condição humana para alguns de seus ápices. O dia internacional estabelecido pela ONU para comemorar a Shoah é um importante meio para a transmissão da memória para a humanidade, que tanto precisa dela. Mas nós devemos não apenas chorar pelos mortos, mas também advertir os vivos das novas catástrofes que espreitam a todos nós.

Hoje, nós, os últimos sobreviventes da maior catástrofe jamais perpetrada pelo homem contra o homem, estamos desaparecendo um a um. Logo a História começará a, na melhor das hipóteses, falar com a voz impessoal dos pesquisadores e dos romancistas. Na pior, com a voz dos negacionistas, dos falsários e dos demagogos que fingem que a Shoah é um “mito”. Esse processo já começou. É por isso que temos um dever visceral de compartilhar com o próximo a memória daquilo que vivemos e aprendemos no corpo e na alma. É por isso que devemos alertar nossos filhos, judeus e não-judeus, que o fanatismo e a violência que se espalham em nosso mundo novamente inflamado podem destruir seu universo, assim como outrora destruíram o meu.

A fúria do terremoto no Haiti, que levou mais de 150 mil vidas, nos ensina o quanto a natureza pode ser cruel com o homem. A Shoah, que dizimou todo um povo, nos ensinou que a natureza, mesmo em seus momentos mais cruéis, é benigna, em comparação com o homem quando este perde a razão e suas referências morais. Depois de tanto sangue derramado, um movimento de compaixão e de solidariedade pelas vítimas, todas as vítimas - sejam elas vítimas de catástrofes naturais, de ódio racial, de intolerância religiosa ou de violência terrorista - às vezes se manifesta aqui e acolá. É difícil avaliar o potencial desses sentimentos generosos para o futuro. Enquanto isso, divididos e confusos, nós hesitamos, vacilamos, como sonâmbulos à beira de um abismo. Mas o irrevogável ainda não aconteceu. Nossas chances continuam intactas. Esperemos que o homem possa perceber isso e aprenda a viver com o próximo.

Apesar do perverso cinismo propagado pelos demônios genocidas, me permito dizer: sim, existe um trabalho que liberta. Ele está enraizado na educação, na ciência, na cultura, e, sobretudo na fraternidade e na paz.

*Samuel Pisar é advogado internacional, autor da obra “O Sangue da Esperança”.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010


Não Existe Honestidade e Ética com Essa Gente

Todos esperavam, nas últimas semanas, por novidades no front das negociações secretas para a troca do prisioneiro israelense, Guilad Shalit, seqüestrado pelo Hamas em território de Israel. A oferta de 1.000 presos palestinos, alguns envolvidos em atos de guerra ou terror, em troca de apenas um soldado, parecia irrecusável. Mas, como previsões no Oriente Médio não passam de previsões, as negociações estancaram e parecem atoladas em exigências absurdas do grupo fundamentalista.

Quando ninguém esperava por novidades além dos enfrentamentos “regulares”, eis que surge uma nova “arma” palestina, idealizada e produzida na Faixa de Gaza, com requintes de malignidade até aqui inéditos. Trata-se de barris de madeira, carregados de dinamite embalado em sacos plásticos para evitar a umidade, lançados ao mar com intuído de serem explodidos ao lado de embarcações militares israelenses. No interior dos barris, detonadores acionados por telefone celular, fariam o ato final do ataque.

Trator robotizado de prontidão na costa de Israel

Após serem levados pela correnteza marinha, três barris chegaram, nos últimos dias, às costas das cidades portuárias de Ashquelon, Ashdod e Tel Aviv. Imediatamente foi proibido o banho de mar em toda a costa israelense, desde a área limítrofe à Faixa de Gaza até Tel Aviv, e uma gigantesca busca policial/militar está em andamento. Acredita-se que existam outros barris perdidos nas águas do Mar Mediterraneo, colocando em risco não só as embarcações militares, mas também barcos e banhistas civis.

Indiscutivelmente, os palestinos são criativos em produzir novas “mensagens de paz”.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de celebração do Dia da Recordação do Holocausto

Recife - PE, 27 de janeiro de 2010

Meu caro amigo e governador do estado de Pernambuco, Eduardo Campos, e sua companheira Renata Campos, Minha querida companheira Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, Ministros que em acompanham nesta delegação, Alfredo Manevy, interino da Cultura; Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente; Franklin Martins, da Comunicação Social; Edson Santos, de Política de Promoção da Igualdade Racial, Meu caro amigo João Lyra Neto, vice-governador do estado de Pernambuco e sua senhora Leila Queiroz, Senhor Giora Becher, embaixador de Israel no Brasil, na pessoa de quem cumprimento os demais membros do corpo diplomático aqui presentes, Senador Romero Jucá, líder do governo no Senado, Deputada federal Ana Arraes, Deputados federais Charles Lucena, Fernando Ferro, Marcelo Itagiba e Pedro Eugênio, Senhor e amigo João da Costa Bezerra Filho, prefeito de Recife, e sua senhora Marília Bezerra, Dom Fernando Saburido, arcebispo de Recife e Olinda, Doutor Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil, na pessoa de quem cumprimento todos os membros da comunidade judaica brasileira, Senhor Ivan Kelner, presidente da Federação Israelita de Pernambuco, na pessoa de quem cumprimento os demais presidentes de federações israelitas aqui presentes, Senhor Jack Terpins, presidente do Congresso Judaico Latino-Americano, Senhor José Safra, Dona Paola Bernstein e senhor Ben Abraham, sobreviventes do Holocausto, Senhor Germano Haiut e Fábio Lispector, Senhores rabinos, Amigos e amigas, companheiros da imprensa pernambucana e da imprensa nacional, Meus amigos e minhas amigas,

Eu me sinto especialmente honrado pela oportunidade de me reunir com os senhores e as senhoras no local onde funcionou a primeira sinagoga das Américas. Daqui partiram aqueles que fundaram a cidade de Amsterdã, a cidade de Nova Amsterdã, Nova York. Espero, modestamente, que esta ocasião ajude a divulgar a existência deste local, cujas paredes guardam a história da inserção da comunidade judaica em um país acolhedor, tolerante e democrático.

Desejo que todos os brasileiros conheçam que aqui, ainda no século XVII, já se materializava a amizade entre dois povos tão diferentes. E desejo, também, que todos os brasileiros judeus conheçam esta sinagoga que faz parte da sua história. Nesse sentido, dou os meus sinceros parabéns, na pessoa da professora Tânia Kaufman, a todos aqueles que contribuem para a preservação, divulgação e manutenção deste tesouro histórico. E agradeço, na pessoa do Ivan Kelner, a todos que se dedicaram a realizar esta singela cerimônia.

Antes de prosseguir, não posso deixar de mencionar a tragédia que o povo do Haiti está vivendo. E lembrar o exemplo dos 20 brasileiros, militares e civis, que lá perderam suas vidas quando trabalhavam pela reconstrução do país. O que nos conforta neste momento é ver a solidariedade do povo brasileiro em favor do povo haitiano. E, nesse sentido, a comunidade judaica em nosso país vem sendo exemplar, como pôde ser visto pelo apoio imediato que o Hospital Israelita Albert Einstein procura dar às vítimas, apesar de todas as dificuldades de acesso.

Peço licença para homenagear aqui aquela que se constitui em um dos importantes símbolos da compaixão e da solidariedade humana: a embaixatriz Roseana Aben-Athar Kipman. Talvez vocês nem saibam que ela – que carrega uma estrela de David no peito – é neta de um judeu, o médico Jayme Aben-Athar, que dedicou a sua vida aos doentes de hanseníase. Ao aconchegar crianças feridas e, em muitos momentos, até mesmo expor sua vida para salvá-las, Roseana expressa o papel que a nossa presença no Haiti tem desde antes do terremoto: compaixão, solidariedade e convicção de que os haitianos podem um dia erguer uma nação que eles mesmos sustentarão.

Minhas amigas e meus amigos;
Esta é a quinta vez consecutiva em que me encontro com a comunidade judaica no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto – data instituída pelas Nações Unidas também há cinco anos, em referência ao dia em que o exército soviético libertou o campo de extermínio de Auschwitz.

Naquele 27 de janeiro de 1945, o mundo pôde testemunhar, estarrecido, as barbáries e os terrores que afligiram o povo judeu durante a Segunda Guerra. Este momento que envergonha a humanidade não pode e não deve ser esquecido. O Holocausto e suas vítimas devem ser sempre lembrados. Não apenas como uma obrigação de honrar o passado, mas, sobretudo, como um alerta para que tragédias como essa não se repitam nunca mais no futuro.

Como vocês sabem, este é o último ano em que participo desta cerimônia como Presidente da República – e espero que todos os presidentes que me sucederem também participem todos os anos. Por isso quero, nesta ocasião, me deter em um aspecto que julgo essencial para a compreensão da História: o Holocausto, o extermínio em massa, a destruição e a humilhação de tantas vidas, tudo isso só pôde ocorrer porque, antes, a democracia e o respeito aos direitos humanos também foram sendo progressivamente aniquilados.

Os nazistas, em um primeiro momento, demonizaram os comunistas, acusando-os falsamente de incendiar o prédio do Parlamento Alemão em 1933. Com isso, suprimiram o seu direito de se organizar em partido, restrição que em seguida foi imposta aos socialistas, sociais-democratas e todos os demais que não se alinhassem ao nazismo. Desde então, a repressão cresceu em uma espiral devastadora. Atividades sindicais foram restritas. As instituições do estado alemão foram sendo substituídas pelo poder de Hitler e de seus auxiliares diretos. Liberdades e direitos civis, como o habeas corpus, foram extintos. A imprensa foi posta sob censura. Religiosos que levantassem a voz sofriam punições. E os cidadãos que ousassem discordar eram confinados nos chamados “campos de recuperação”, isolando-se, assim, todos aqueles que se opusessem ao nacional-socialismo do Hitler.

Foi dentro deste ambiente de destruição da democracia que se consolidou o caráter racista do regime nazista. Em setembro de 1935, foram editadas as leis que caracterizavam a pureza do sangue alemão, colocavam os judeus como cidadãos de segunda classe e proibiam o matrimônio entre judeus e não judeus. Uma delas, a “Lei da Cidadania”, enunciava literalmente que “um judeu não pode ser um cidadão do Reich. Ele não tem direito a votar em negócios políticos, ele não pode ocupar cargo público”. Com isso, todos os judeus que ocupavam cargos públicos foram obrigados a se aposentar no final daquele ano.

Às leis racistas e autoritárias e à repressão somou-se um dos maiores esforços de propaganda já vistos até hoje. Seu objetivo: alimentar a discriminação e a intolerância, associando uma imagem cada vez mais repulsiva aos judeus, às pessoas com deficiências, aos negros, aos ciganos, aos homossexuais. Parecia impossível que a crueldade comandada, planejada e executada pelo Estado nazista pudesse ir além. Mas o odioso episódio da noite dos cristais quebrados – em novembro de 1938 – viria a explicitar com precisão o objetivo exterminador.

Numa única noite, 91 judeus foram mortos. Outros 25 a 30 mil foram presos e levados para campos de concentração. Cerca de 7,5 mil lojas de judeus e 1,6 mil sinagogas foram reduzidas a escombros. A sequência da história nós já conhecemos: a guerra, o extermínio, a máquina da morte.

Estou certo de que todos os participantes deste evento conhecem o trágico roteiro que acabei de narrar. Optei, contudo, por repeti-lo para todos nós lembrarmos que foi a supressão da democracia que abriu a avenida para o fascismo e para o nazismo. Sempre faço questão de reafirmar que a democracia é um bem do qual não podemos abrir mão nunca. E nesta ocasião quero também dizer que a democracia política, social e econômica é a nossa principal arma contra a discriminação e a intolerância. A democracia não é a consolidação do silêncio, mas sim da manifestação das múltiplas vozes reivindicando os seus direitos. O povo brasileiro me deu a honra de governar um país já democrático e tolerante. E chegando ao fim do meu segundo mandato, me orgulho de ter contribuído para o fortalecimento das instituições, para a liberdade de imprensa, para a expansão das políticas públicas a todos os setores e comunidades de nossa sociedade e, especialmente, para a ampliação da participação social.
Fico feliz quando vejo, por exemplo, os catadores de materiais recicláveis e os grandes industriais circularem pelos palácios em Brasília. E não só eles, mas os pequenos agricultores e os empresários rurais; as pessoas com deficiência, os hansenianos, os idosos, os jovens, as crianças; os empresários e trabalhadores de todas as áreas; os intelectuais, cientistas, artistas e devotos de todas as religiões.

E fico feliz de estar aqui com vocês – que também são testemunhas e participantes desse grande diálogo democrático – e celebrarmos mais uma vez a vida em um país formado por muitos povos que se relacionam em harmonia.

Minhas senhoras e meus senhores,
Como vocês sabem, o presidente Shimon Peres, o presidente Mahmoud Abbas e o presidente Ahmadinejad estiveram no Brasil recentemente. Durante esses encontros, conversamos longamente sobre a necessidade de uma paz duradoura no Oriente Médio e sobre os obstáculos que vêm impedindo alcançar esse objetivo. Mostrei ao presidente do Irã que é impossível negar o Holocausto, que 60 milhões de vidas foram perdidas na Segunda Guerra Mundial em combates, em enfrentamentos de parte a parte. Mas que os 6 milhões de judeus não foram mortos em combates, foram exterminados. E ninguém tem o direito de desconhecer o extermínio de tanta gente.

Falamos também da nossa disposição de dialogar com todos os setores envolvidos, sobre como o nosso país, com longa tradição pacifista e de respeito às diferenças, pôde contribuir nos processos que visam à resolução dos conflitos na região.
Em março próximo, terei a honra de visitar mais uma vez Israel, a Palestina e a Jordânia. E mais uma vez, em nome do povo brasileiro, levarei até lá nossa mensagem de tolerância e de paz, nossa convicção em defesa do diálogo comum. Uma mensagem que é baseada não em uma utopia, mas na realidade de uma nação onde as mais diversas comunidades convivem em harmonia.

Todos nós, governo e sociedade, podemos trabalhar para que se aproxime o dia em que israelenses e palestinos vivam em segurança em seus respectivos Estados. Um dia no qual a paz e o respeito serão os pilares de um novo Oriente Médio, próspero e com justiça social, no qual todos os conflitos que existem hoje passem a aparecer apenas nos livros de História.

A Terra Santa é uma referência não apenas para as três grandes religiões monoteístas, mas para toda Humanidade. E cabe a todos ajudar os povos que ali habitam a encontrarem o caminho que levará a um futuro melhor.

Muito obrigado, shalom.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Discurso Tânia Kaufman - Paço Alfandega

Cumprimento reconhecidamente os presentes: autoridades governamentais e políticas, empresários, intelectuais, familiares, amigos, membros da comunidade judaica de Pernambuco, pessoal da imprensa, presidentes das organizações judaicas, particularmente o Presidente da Federação Israelita de Pernambuco Sr. Ivan Kelner e o Vice Presidente Sr. Denys Sjnader. Com muito respeito e consideração cumprimento os senhores diretores da Realesis,, administradores do Shopping Paço Alfândega, Sr Jose Augusto Ferreira dos Santos e Sr. Armando Saboia Filho. Com muito carinho e emoção agradeço a presença das pessoas que aqui se apresentam como testemunhas da história do czarismo e do nazismo na Europa: Senhor Moisés Lederman e sua esposa, Sra. Suzi Krautamer, Sra. Pola Berenstein, Sr. Luiz Kano. Não é fácil expressar nossos sentimentos diante de uma atmosfera tão especial criada com o empenho de Laura Costa e Andrea Machado e sua equipe de profissionais especializados.

Mas, porque devemos demonstrar os nossos sentimentos? Por razões simples. Muito menos por ser um evento sobre a cultura judaica. Muito mais, por ser uma proposta sensível dos promotores do programa para uma integração à semana em que são lembradas as vítimas do holocausto.

E para nós, esta lembrança se estende a todas as etnias e grupos sociais que são alvo da intolerância apenas por serem “diferentes”. Sobre este assunto vimos refletindo bastante sobre um conceito que está intimamente ligado as questões de intolerância. É o conceito deressentimento e suas relações com a história e com a memória.

E qual a relação entre eles?

Pensando bem, ressentimento envolve pensamentos de rancores, desejos de vinganças, fantasmas de morte. Os fatos causadores estão situados nas partes sombrias e tristes da história e se instalam nas memórias e nas lembranças das pessoas. Normalmente são provocados por conflitos nas esferas políticas e religiosas. E aí estão as relações entre ressentimento, história e memória.

O holocausto dos judeus, dos negros, dos ciganos e de todos os que não cabiam nas medidas da pretendida eugenia racial ou religiosa pregada pela Inquisição e pelo nazismo, deixaram marcas profundas na memória e nas lembranças de gerações dos perseguidos pelo Tribunal do Santo Ofício, pelos pogroms e pelo exército alemão.
Será que podemos imaginar como fica a memória e a lembrança dos descendentes dos seis milhões de judeus e outros grupos que perderam suas vidas apenas por serem “diferentes”?

Todavia, o resultado das minhas reflexões sobre este assunto nos estimula a desenvolver ações que possam transformar ressentimentos em “atitudes afirmativas”.
Não defendo a tolerância, pois ela sugere uma hierarquia na qual os “melhores toleram” os “outros”. Pressupõe uma situação de desigualdade. Ou seja, alguém se coloca como modelo, pois se julga mais civilizado, de uma cultura superior e toma alguma atitude de benevolência em relação a outro julgado menor.

Alio-me aos que defendem o combate a intolerância simplesmente oferecendo a memória-conhecimento como suporte documental para as narrativas históricas. Através do conhecimento sobre este “outro” provavelmente as fronteiras marcadas pela discriminação e intolerância perdem seus limites. As diferenças entre os grupos étnicos e sociais tornam-se permeáveis à idéia da convivência possível entre culturas. Espaços são abertos para a valorização da diversidade cultural, traço fundante da cultura brasileira.

Neste ponto, posso me referir ao evento Ao Recife o que o Recife não Conhece.
Em 2004, tive a oportunidade de abrir outra exposição que também pretendia contar uma história que os americanos não conheciam. Na ocasião lembrei uma frase de um canto sefardita em língua ladina: La vida es un pasahe. Estas palavras representam uma síntese do povo judeu: A vida como passagem, itinerário, sucessão de chegadas e de partidas. Passagens que são caminhos, pontes entre os homens e entre mundos..
Apenas falando da passagem da Península Ibérica para Pernambuco, aonde vieram para ficar. Com os holandeses criaram a Primeira Congregação Judaica das Américas.

Ergueram a Sinagoga Kahal Zur Israel. Depois, num mês de setembro do ano de 1654, 23 judeus saindo do porto do Recife, chegaram à Nova Iorque que se chamava Nova Amsterdam. Com um intervalo de três séculos e meio chegam a Pernambuco, nos primeiros anos do século XX, os judeus que fugiam da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Sempre pelas mesmas razões: a intolerância.

Celebramos hoje, neste evento, a recuperação de parte dos passos perdidos para reconstituição de nossa memória. Temos nos esforçado para aprofundar o olhar e descobrir as marcas da presença judaica em Pernambuco. A esse desafio nos entregamos nestes últimos 20 anos.

Por fim, agradecemos a todas as pessoas e instituições que tornaram possível este instante em que além de rememorarmos a nossa história também a compartilhamos com o público pernambucano.

Tânia Neumann Kaufman
Shopping Paço Alfândega

Discurso Ivan Kelner - 27 de Janeiro

Excmo senhor presidente da republica, Luis Inácio Lula da Silva, Excmo governador de Pernambuco, Eduardo Campos, Excmo governador da Bahia, Jacques Wagner, Excmo prefeito da cidade do Recife, João da Costa, Srs ministros e parlamentares, Sr Embaixador do estado de Israel, Giora Becher e demais embaixadores, autoridades e público presente, boa noite!

Neste dia, 27 de janeiro, não devemos apenas lembrar a destruição de 2/3 dos judeus da Europa, mas também a trag´=edia devastadora em Rwanda, quando em 1994 um conflito brutal ceifou a vida de 800.000 pessoas em um espaço de 100 dias.

O dia mundial de lembrança do Holocausto foi anunciado em 27 de janeiro de 2000 em Estocolmo e na ocasião os chefes de estado europeus se comprometeram pessoalmente a promover um contínuo programa de educação sobre o genocidio. As pessoas se perguntavam então, "Porque precisamos lembrar? Isto é coisa do passado!". Desde então tivemos o 11 de setembro, o 11 de março em Madrid e repetidos atos de terror por todo o mundo.

A resposta para os que se fazem esta pergunta, é que existe apenas uma cura para o virus do ódio e ela se chama educação. Dois mil anos atrás, nossos sábios disseram: "Uma única vida humana é como o universo". Salve uma vida e você estará salvando o mundo. Mude uma vida e você estará começando a mudar o mundo. Numa época como a nossa de ódio religioso e terror global, esta mensagem não poderia ser mais clara.

E ela está sendo dada por todas as nações, entre elas o Brasil e Israel, que se mobilizaram em socorro diante da tragédia natural ocorrida no Haiti. Estas nações, com suas ações, estão dizendo ao mundo que amar a Deus é reconhecer Sua imagem na face humana, especialmente naquelas cuja fé, cor ou cultura sejam diferentes da nossa. Possam estes atos inspirar a todos, especialmente àqueles que odeiam.

Aqui, hoje, diante da primeira sinagoga das Américas, patrimônio resgatado pelo Ministério da Cultura, Prefeitura da Cidade do Recife, pelo Banco Safra, pela CONIB e pela Federação Israelita de Pernambuco, dedicamos esta cerimonia aos oprimidos e perseguidos, onde quer que estejam, jovens e velhos, judeus e não judeus, na esperança de que o tempo do ódio ao nosso semelhante possa cessar um dia.

Muito obrigado

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010


DISCURSO CLAUDIO LOTTENBERG NA CERIMÔNIA DO
DIA INTERNACIONAL EM MEMÓRIA ÀS VÍTIMAS DO HOLOCAUSTO



O dia de hoje retrata um momento de extrema importância para o povo judeu e para a sociedade contemporânea. Acreditamos ser também um dia importante para aqueles que se dedicam a lutar por um mundo melhor, um mundo com justiça, de respeito aos direitos humanos e mais tolerante. Homenageamos hoje a memória de seis milhões de seres humanos, brutalmente assassinadas pelo nazismo e que em grande parte jamais souberam as razões de tudo isto.

Esta cerimônia acontece nesta sinagoga, a Kahal Zur Israel, a primeira do continente americano. A sugestão de realizá-la em solo pernambucano partiu de um ilustre filho desta terra, de nosso presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, a quem agradecemos mais do que a idéia a presença que se repete pelo quinto ano consecutivo.

Para nós, esta sinagoga também traz à memória outro momento tenebroso da história. A Inquisição, com sua intolerância e brutalidade, fez os judeus pernambucanos, no século 17, buscarem outras terras onde houvesse liberdade. Em muitos momentos, a história judaica se confunde com a história das lutas pelas liberdades e pelo respeito aos direitos individuais.

O evento de hoje também lembra e homenageia todas as outras vítimas da barbárie nazista como ciganos, testemunhas de Jeová, homossexuais membros de partidos políticos adversários do regime nos países conquistados, deficientes. Matava-se o outro e o diferente pelo prazer de matar e pela limpeza étnica. É um dever moral proteger a memória deles, mas além - e acima de tudo – é nossa missão manter acesa a chama da luta pela liberdade e denunciar os regimes intolerantes, quaisquer que sejam eles.

Ou seja, devemos continuar trilhando o caminho da tradição e da ética judaica que nos impõe um combate sem tréguas pelo respeito à pluralidade, à democracia e a todos os meios que nos levem ao convívio e aceitação dos diferentes seres humanos. É por esta razão que a história judaica se confunde com a história da liberdade e do respeito aos direitos individuais.

Meus amigos, minhas amigas,
Nossa obrigação é denunciar e combater o racismo e o revisionismo histórico, pois negar o Holocausto é inaceitável, inadmissível e um desrespeito à memória coletiva. Quem nega o Holocausto e faz dessa negação uma de suas bandeiras políticas personifica valores incompatíveis com a democracia e a convivência entre diferentes pessoas e suas origens.

O século 21 está sendo marcado pela cooperação internacional, desenvolvimento, respeito ao meio ambiente e à diversidade étnica, política e religiosa. O século 20 consagrou a luta pelos direitos; o século 21 será, pode ter certeza, a luta por obrigações. Devemos valorizar e prestigiar essas bandeiras e rasgar a bandeira do ódio.

Os desafios globais são gigantescos. Há ainda milhares de mortos da tragédia do Haiti a serem enterrados. A comunidade judaica brasileira se solidarizou com as vítimas por meio de uma equipe médica enviada ao Caribe pelo Hospital Albert Einstein.

Juntamos nossas mãos aos longos e generosos braços do Brasil que ali já estão desde 2004. Assim como outros países, Israel levou sua experiência e conhecimento - infelizmente acumulados em muitas guerras - na forma de uma delegação de mais de 240 pessoas atuando em um hospital de campanha. Sete crianças nasceram pelas mãos delas e, agradecida, a mãe haitiana batizou seu filho de Israel.

Senhor Presidente,

Brevemente, o senhor deverá viajar viajará para o Oriente Médio.

Confiamos muito em suas intenções no sentido de um acordo de paz entre israelenses e palestinos. Todos queremos a paz embora possamos divergir a respeito dos meios e modos mais adequados para atingir a paz que garanta segurança e prosperidade àquela região. Enaltecemos e temos um profundo respeito por seu interesse, como homem e chefe de Estado, em sua busca por alternativas, soluções e propostas que pavimentem a dura trilha da paz. E, como sempre Vossa Excelência insiste: aprofundem o diálogo.

No entanto, esta paz sugere a exitosa convivência harmoniosa e num regime de ampla liberdade entre diferentes grupos étnicos e religiosos de que o Brasil é exemplo único.

Meus amigos, minhas amigas,

O Brasil deu mostras de que é possível crescer e distribuir renda tirando milhões de seus filhos da pobreza. No inicio de seu primeiro mandato participamos, a seu convite, do Conselho de Segurança Alimentar. Adotamos a cidade de Itinga e, juntos vimos aflorar e crescer outras iniciativas de inclusão social de milhões brasileiros. Aliás, em recente viagem a Israel, ouvi do seu Ministro da Saúde que a sua dedicação no combate à miséria deveria servir de referência a outros governantes.

Por falar em Israel, saibam todos que aquele país é uma ilha de prosperidade e de democracia. Alguns vizinhos e vários grupos empenhados em destruí-lo fariam melhor se canalizassem suas forças e seus melhores filhos em favor do desenvolvimento, do bem estar de suas respectivas populações e da construção da democracia. Talvez o senhor presidente Lula, possa instilar e ensinar a linguagem da inclusão social e do respeito à coexistência pacifica.

Com seu imenso prestígio internacional, o senhor é um valioso instrumento que pode ajudar decisivamente para arrancar o Oriente Médio do fanatismo e colocá-lo no caminho da paz e do desenvolvimento. E saiba que tem nosso apoio. O mesmo que sempre lhe demos exatamente porque Vossa Excelência é um ser humano sensível e envolvido na conquista da equidade e do respeito mútuo.

Quanto ao passado, à certeza que ele é o alicerce para o futuro. Revivê-lo pode ser muito duro, mas acreditem só não é pior que esquecê-lo...

Amigo Presidente,

O senhor caminha para o oitavo e último ano do seu mandato. Esta é a quinta vez que Vossa Excelência prestigia um evento como este. É um gesto que contribui para perpetuar a verdade do assassinato em massa mais documentado da história e impedir a conspiração do esquecimento.

Em sete anos e algumas semanas Vossa Excelência incluiu a comunidade judaica 22 vezes em sua agenda. Isto é, a cada quatro meses, por uma ou outra razão, nos encontramos, nos cumprimentamos e conversamos sobre atos, fatos, angústias e anseios que dizem respeito à comunidade judaica. Por esta razão, decidi fazer um documento.

Nestes sete anos - e antes disso - foi construída uma relação. Os muros - se existiram - foram substituídos por uma ponte, na qual me orgulho de ter colocado um tijolo, quem sabe um dos primeiros em nome da comunidade, já em 1993, quando assistimos juntos à abertura dos Jogos Macabeus Mundiais em Israel. É, portanto, uma relação antiga que antecede à sua condição de presidente da República, e a minha, de presidente da entidade representativa desta comunidade.

Assim, a condição de atual presidente da CONIB impõe que eu zele pelos interesses da comunidade judaica do Brasil, seja o porta-voz das suas preocupações e o interlocutor junto às autoridades constituídas, entre elas – e principalmente – o presidente da República.

E o presidente Lula, devo confessar, tem sido, antes e durante os anos de seus mandatos, um ouvinte atento e um negociador paciente de quem se pode divergir no acessório, mas que o diálogo leva à conciliação no fundamental.

Ao longo destes anos, estreitamos o entendimento e os laços comuns que nos unem, deixando de lado as diferenças tão próprias da natureza humana. Desta forma, o interesse comum nos fez flexíveis nas decisões coletivas.

A história da construção deste relacionamento está ricamente contada, embora resumida, neste livreto, e que tomo a liberdade de lhe entregar. Ele foi preparado com a ajuda de um amigo comum, o jornalista Bernardo Lerer, que comigo levantou documentos, buscamos fotos e informações e, juntos, registramos a história desta relação.

Ninguém, absolutamente ninguém, teve acesso a este trabalho!

Por ser um documento, é emblemático porque deixa registrado publicamente, sem dúvidas, dilemas ou hesitações, o que nasce do fundo de minha alma.

Um documento é um compromisso. E um compromisso é uma responsabilidade.

Jamais esta comunidade e jamais este seu Presidente, independentemente do que possa vir a acontecer, abrirão mão desta amizade.
Amigo presidente Lula tenho certeza de que continuamos juntos como sempre.
Shalom,
Muito obrigado

Claudio Lottenberg
Presidente CONIB
Recife, 27 de janeiro de 2010