quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010


DISCURSO CLAUDIO LOTTENBERG NA CERIMÔNIA DO
DIA INTERNACIONAL EM MEMÓRIA ÀS VÍTIMAS DO HOLOCAUSTO



O dia de hoje retrata um momento de extrema importância para o povo judeu e para a sociedade contemporânea. Acreditamos ser também um dia importante para aqueles que se dedicam a lutar por um mundo melhor, um mundo com justiça, de respeito aos direitos humanos e mais tolerante. Homenageamos hoje a memória de seis milhões de seres humanos, brutalmente assassinadas pelo nazismo e que em grande parte jamais souberam as razões de tudo isto.

Esta cerimônia acontece nesta sinagoga, a Kahal Zur Israel, a primeira do continente americano. A sugestão de realizá-la em solo pernambucano partiu de um ilustre filho desta terra, de nosso presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, a quem agradecemos mais do que a idéia a presença que se repete pelo quinto ano consecutivo.

Para nós, esta sinagoga também traz à memória outro momento tenebroso da história. A Inquisição, com sua intolerância e brutalidade, fez os judeus pernambucanos, no século 17, buscarem outras terras onde houvesse liberdade. Em muitos momentos, a história judaica se confunde com a história das lutas pelas liberdades e pelo respeito aos direitos individuais.

O evento de hoje também lembra e homenageia todas as outras vítimas da barbárie nazista como ciganos, testemunhas de Jeová, homossexuais membros de partidos políticos adversários do regime nos países conquistados, deficientes. Matava-se o outro e o diferente pelo prazer de matar e pela limpeza étnica. É um dever moral proteger a memória deles, mas além - e acima de tudo – é nossa missão manter acesa a chama da luta pela liberdade e denunciar os regimes intolerantes, quaisquer que sejam eles.

Ou seja, devemos continuar trilhando o caminho da tradição e da ética judaica que nos impõe um combate sem tréguas pelo respeito à pluralidade, à democracia e a todos os meios que nos levem ao convívio e aceitação dos diferentes seres humanos. É por esta razão que a história judaica se confunde com a história da liberdade e do respeito aos direitos individuais.

Meus amigos, minhas amigas,
Nossa obrigação é denunciar e combater o racismo e o revisionismo histórico, pois negar o Holocausto é inaceitável, inadmissível e um desrespeito à memória coletiva. Quem nega o Holocausto e faz dessa negação uma de suas bandeiras políticas personifica valores incompatíveis com a democracia e a convivência entre diferentes pessoas e suas origens.

O século 21 está sendo marcado pela cooperação internacional, desenvolvimento, respeito ao meio ambiente e à diversidade étnica, política e religiosa. O século 20 consagrou a luta pelos direitos; o século 21 será, pode ter certeza, a luta por obrigações. Devemos valorizar e prestigiar essas bandeiras e rasgar a bandeira do ódio.

Os desafios globais são gigantescos. Há ainda milhares de mortos da tragédia do Haiti a serem enterrados. A comunidade judaica brasileira se solidarizou com as vítimas por meio de uma equipe médica enviada ao Caribe pelo Hospital Albert Einstein.

Juntamos nossas mãos aos longos e generosos braços do Brasil que ali já estão desde 2004. Assim como outros países, Israel levou sua experiência e conhecimento - infelizmente acumulados em muitas guerras - na forma de uma delegação de mais de 240 pessoas atuando em um hospital de campanha. Sete crianças nasceram pelas mãos delas e, agradecida, a mãe haitiana batizou seu filho de Israel.

Senhor Presidente,

Brevemente, o senhor deverá viajar viajará para o Oriente Médio.

Confiamos muito em suas intenções no sentido de um acordo de paz entre israelenses e palestinos. Todos queremos a paz embora possamos divergir a respeito dos meios e modos mais adequados para atingir a paz que garanta segurança e prosperidade àquela região. Enaltecemos e temos um profundo respeito por seu interesse, como homem e chefe de Estado, em sua busca por alternativas, soluções e propostas que pavimentem a dura trilha da paz. E, como sempre Vossa Excelência insiste: aprofundem o diálogo.

No entanto, esta paz sugere a exitosa convivência harmoniosa e num regime de ampla liberdade entre diferentes grupos étnicos e religiosos de que o Brasil é exemplo único.

Meus amigos, minhas amigas,

O Brasil deu mostras de que é possível crescer e distribuir renda tirando milhões de seus filhos da pobreza. No inicio de seu primeiro mandato participamos, a seu convite, do Conselho de Segurança Alimentar. Adotamos a cidade de Itinga e, juntos vimos aflorar e crescer outras iniciativas de inclusão social de milhões brasileiros. Aliás, em recente viagem a Israel, ouvi do seu Ministro da Saúde que a sua dedicação no combate à miséria deveria servir de referência a outros governantes.

Por falar em Israel, saibam todos que aquele país é uma ilha de prosperidade e de democracia. Alguns vizinhos e vários grupos empenhados em destruí-lo fariam melhor se canalizassem suas forças e seus melhores filhos em favor do desenvolvimento, do bem estar de suas respectivas populações e da construção da democracia. Talvez o senhor presidente Lula, possa instilar e ensinar a linguagem da inclusão social e do respeito à coexistência pacifica.

Com seu imenso prestígio internacional, o senhor é um valioso instrumento que pode ajudar decisivamente para arrancar o Oriente Médio do fanatismo e colocá-lo no caminho da paz e do desenvolvimento. E saiba que tem nosso apoio. O mesmo que sempre lhe demos exatamente porque Vossa Excelência é um ser humano sensível e envolvido na conquista da equidade e do respeito mútuo.

Quanto ao passado, à certeza que ele é o alicerce para o futuro. Revivê-lo pode ser muito duro, mas acreditem só não é pior que esquecê-lo...

Amigo Presidente,

O senhor caminha para o oitavo e último ano do seu mandato. Esta é a quinta vez que Vossa Excelência prestigia um evento como este. É um gesto que contribui para perpetuar a verdade do assassinato em massa mais documentado da história e impedir a conspiração do esquecimento.

Em sete anos e algumas semanas Vossa Excelência incluiu a comunidade judaica 22 vezes em sua agenda. Isto é, a cada quatro meses, por uma ou outra razão, nos encontramos, nos cumprimentamos e conversamos sobre atos, fatos, angústias e anseios que dizem respeito à comunidade judaica. Por esta razão, decidi fazer um documento.

Nestes sete anos - e antes disso - foi construída uma relação. Os muros - se existiram - foram substituídos por uma ponte, na qual me orgulho de ter colocado um tijolo, quem sabe um dos primeiros em nome da comunidade, já em 1993, quando assistimos juntos à abertura dos Jogos Macabeus Mundiais em Israel. É, portanto, uma relação antiga que antecede à sua condição de presidente da República, e a minha, de presidente da entidade representativa desta comunidade.

Assim, a condição de atual presidente da CONIB impõe que eu zele pelos interesses da comunidade judaica do Brasil, seja o porta-voz das suas preocupações e o interlocutor junto às autoridades constituídas, entre elas – e principalmente – o presidente da República.

E o presidente Lula, devo confessar, tem sido, antes e durante os anos de seus mandatos, um ouvinte atento e um negociador paciente de quem se pode divergir no acessório, mas que o diálogo leva à conciliação no fundamental.

Ao longo destes anos, estreitamos o entendimento e os laços comuns que nos unem, deixando de lado as diferenças tão próprias da natureza humana. Desta forma, o interesse comum nos fez flexíveis nas decisões coletivas.

A história da construção deste relacionamento está ricamente contada, embora resumida, neste livreto, e que tomo a liberdade de lhe entregar. Ele foi preparado com a ajuda de um amigo comum, o jornalista Bernardo Lerer, que comigo levantou documentos, buscamos fotos e informações e, juntos, registramos a história desta relação.

Ninguém, absolutamente ninguém, teve acesso a este trabalho!

Por ser um documento, é emblemático porque deixa registrado publicamente, sem dúvidas, dilemas ou hesitações, o que nasce do fundo de minha alma.

Um documento é um compromisso. E um compromisso é uma responsabilidade.

Jamais esta comunidade e jamais este seu Presidente, independentemente do que possa vir a acontecer, abrirão mão desta amizade.
Amigo presidente Lula tenho certeza de que continuamos juntos como sempre.
Shalom,
Muito obrigado

Claudio Lottenberg
Presidente CONIB
Recife, 27 de janeiro de 2010

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