domingo, 14 de março de 2010

Boom "high-tech" segura Israel na crise

Marcelo Ninio

País, que atravessou turbulência sem grandes arranhões, só perde para os EUA em número de novas empresas inovadoras.

Com apenas 7 milhões de habitantes, Israel tem 4.000 empresas de tecnologia e o maior índice per capita do mundo de engenheiros.

Sentado em seu escritório, situado num grande shopping center a poucos metros do mar Mediterrâneo, o israelense Tal Keinan abre um sorriso confiante ao ser indagado aonde pretende chegar com a empresa de tecnologia que fundou com um amigo em 2006, quando tinha apenas 27 anos.

"Quero ser Google", responde à Folha de São Paulo o jovem de cabelos longos e jeito de surfista, sonhando com o dia em que o programa de pesquisa on-line de sua empresa se torne tão difundido quanto o mecanismo de busca mais popular da rede.

A ambição de Keinan é um retrato do setor de tecnologia de Israel, destaque de uma economia que passou sem grandes arranhões pela crise global e foi uma das primeiras a sair dela. Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), o país deve crescer 2,4% em 2010, uma das taxas mais altas entre países desenvolvidos.

Confinada a publicações especializadas ou ofuscada pelas notícias do conflito, é uma história de sucesso com alguns números que devem impressionar os empresários brasileiros que acompanharão o presidente Lula em sua visita a Israel, daqui a uma semana.

Israel tem o segundo maior número de "startups" (empresa iniciante que aposta em novas tecnologias) do mundo em termos absolutos, só atrás dos EUA. É de longe o país estrangeiro com mais empresas cotadas no Nasdaq (60), a Bolsa de Valores eletrônica dos EUA.

Sob condições históricas sempre adversas, em Israel o encontro da necessidade com planejamento e espírito empreendedor produziu um celeiro de inovação que atrai investimentos em maior escala do que em qualquer outro país.

Em 2008, as empresas de tecnologia israelenses receberam 2,5 vezes mais capital de risco (per capita) do que os EUA e 30 vezes mais que a Europa. Não falta financiamento para jovens empreendedores e com boas ideias, como Keinan.

E eles são muitos. Existem cerca de 4.000 empresas de tecnologia em Israel e mais de cem fundos de capital de risco. Inovações desenvolvidas no país incluem o pioneiro serviço de mensagem instantânea ICQ, vendido por US$ 407 milhões à AOL, o chip Pentium (Intel) e a pílula de vídeo que permite a visão dos intestinos sem necessidade de cirurgia.

Por trás dessa profusão de ideias está uma mistura de fatores históricos que produziram uma cultura atraída por tudo o que é novo e com baixíssima aversão ao risco. Um temperamento muitas vezes definido com a quase intraduzível palavra judaica "chutzpah", algo entre a audácia, o atrevimento e o despudor.

"Está no nosso DNA", explica Gil Hirsch, 37, um dos fundadores da empresa Face.com, que criou um programa destinado aos usuários da rede de relacionamento Facebook que querem localizar fotos suas postadas por terceiros na rede. "Chutzpah é não aceitar não como resposta."

O DNA ajuda, mas o empreendedorismo israelense também se beneficiou de um significativo empurrão estatal. Nos anos 90, o governo criou um programa que impulsionou o setor de capital de risco no país com uma proposta tentadora: o Estado entrava com 50% do capital, e o investidor, com 100% do lucro.

Na mesma década, uma onda de imigrantes da antiga União Soviética ampliou a oferta de mão de obra qualificada no país. Israel tem hoje o maior índice per capita de Ph.Ds e engenheiros do mundo.

Para muitos, entretanto, o principal catalisador do que já foi chamado de "milagre econômico israelense" é o Exército. Não são poucos os companheiros de quartel que se tornaram sócios em "startups" após largarem a farda.

Além de investir pesadamente em pesquisa tecnológica, o Exército dá a jovens soldados (a maioria serve pelo menos dois anos) a chance de receber formação técnica de ponta com atributos que toda empresa busca, como liderança e trabalho em equipe.

Para Keinan, que fez o serviço militar na principal unidade de computação do Exército, o que mais marcou foi o "choque de responsabilidade".

"Você se vê cercado de garotos, tendo que resolver problemas de gente grande", diz Keinan. "Isso cria uma capacidade de resolver problemas que nunca mais o abandona."

Fonte: Folha de São Paulo (8/3/2010)

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