sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Ser Judeu no Século XXI

Há 200 anos, Reb Bunem previu: “Antes da chegada do Messias, existirão rabinos sem Torá, chassídicos sem chassidismo, ricos sem riquezas, verões sem calor, invernos sem frio e grãos sem grãos”.

Poderia ele estar se referindo a rabinos reformistas inspirados mais na filosofia do que na Torá, a movimentos chassídicos que não são senão expressão de fundamentalismo, à ausência de riquezas nos ricos da economia virtual, às transformações climáticas que farão verões gelados e invernos infernais, ou mesmo a transgênicos – grãos que não são grãos?

Seja a era Messiânica, a era de Aquário ou um novo Milênio, aqueles que são dotados de sensibilidade sabem que estamos diante de um período de grandes transformações. Estão sendo extintos conceitos, formas e identidades, que darão lugar a outros conceitos, formas e identidades. O Judaísmo é, sem dúvida, um dos poucos sobreviventes jurássicos da última grande onda de choques civilizatórios que abalou a cultura há 2.000 – 2.500 anos.

Na mudança para uma nova era surgiram Confúcio, Pensadores Gregos, Buda, Jesus e os rabinos. Os últimos, diferentes dos demais, não iniciaram nem romperam com nada. Sua reforma, seu chanuká – re-inauguração – recriou um judaísmo que havia implodido com o mundo da Antiguidade. As identidades não resistiram. Os persas, os gregos, os egípcios, os assírios e outros tantos entraram para a memória. Mas nenhum permaneceu como “am chai” – um povo vivo.

Este sempre foi o grito de guerra e o assombro dos judeus: “am Israel chai” – o povo de Israel é um povo com vitalidade. Vivo não por sobreviver a perseguições, mas por gerar uma civilização experimentada com pertinência e identidade. Este grito será ainda mais impressionante se no século XXII o judaísmo tiver resistido ao estilo suchi-Nasdaq, à revolução silicone-silício, à interatividade sem fronteiras, ao universalismo, à globalização, à miscigenação dos povos e ao coquetel de culturas e mitos deste século XXI.

Se sobreviver ao novo conceito “de si”, que não é mais formado por uma identidade “encontrada” na família ou no grupo, mas por identidades “feitas”, que são construídas – e, freqüentemente reconstruídas – por muitas fontes culturais; se resistir à nova moral que também não é “encontrada”, mas “feita”pelo diálogo e pela escolha; se resistir à volatilidade e à permissividade que enxergam margens e fronteiras, quaisquer que sejam, como construções sociais prontas para serem atravessadas, apagadas ou refeitas; se o que emergir como judaísmo puder ser cantado como chai (vivo) e traçado como continuidade do que nós hoje ainda chamamos judaísmo, então estes serão tempos messiânicos.

Tempos de salvação da raiz “arcaica”(David Melech/David Rei), redimida pelo chai vê-kaiam – vive e existe em nosso tempo! Tempos que perdurarão até que novas transformações desafiem novamente forma e conteúdo, suscitando em algum Reb Bunem futuro a mesma sensibilidade segundo a qual as coisas não serão mais as mesmas. Então, novamente, os tempos messiânicos chegarão, as novas eras e milênios, como dado real da vida que evolui, que se fortalece ou se extingue.

É verdade, há rabinos sem Torá. Não por ilegitimidade, mas porque as mensagens da Torá estão codificadas em outros espaços. A ética e conceitos de transcendência fazem parte do patrimônio globalizado que, obviamente, inclui a Torá. Por sua vez os chassídicos não são mais chassídicos. Em lugar de um movimento popular e com elementos contestatórios, buscam hoje amalgamar as elites e são em si, o braço forte do estabilishment ortodoxo. Os ricos não têm riqueza pois especulam num mundo de valores virtuais. A irrealidade destes valores de posse do que não se tem é diretamente proporcional ao vazio dos valores internos dos indivíduos. Há verões sem calor e invernos sem frio no descuido com o “corpo” mais simbólico que é a nossa Terra. Há grãos que não são grãos diante dos transgênicos e das experiências genéticas de nosso tempo. Esperma que não é esperma, humano que não é humano.

Reb Bunem colocou profeticamente os desafios de nosso tempo:

A universalidade (rabinos sem Torá / Torá sem judeus); o pragmatismo selvagem que faz do chassid um marqueteiro; a globalização e sua perversa concentração de renda (ricos / não ricos); o meio ambiente degradado provocado pelas mudanças climáticas e suas consequências cataclísmicas; e a onipotência científica cuja conquista maior é produzir um grão que não é grão. Esta última conquista destitui o Criador, que é substituído por nossa própria imagem.

Este é o aviltamento ontológico do judaísmo: não só produzir uma imagem, mas que ela seja a nossa imagem.

Tempos difíceis... Tempos messiânicos... Tempos de reinício ou de fim.

Tempos que, se ultrapassados, farão o cantar de am Israel chai ainda mais significativo do que é hoje.

Nilton Bonder e Bernardo Sorj.

Um comentário:

  1. Sinceramente,
    Rabinos sem torá e torá sem judeus, para mim jamais irão ocorrer.
    mas, se há algo de que o judaismo anda necessitando com urgencia, é de torá sem rabinos.
    triste, muito triste ver em todos os segmentos, rabinos empenhados em construir prédios e sedes ao inves de insistir na construção de verdadeiros judeus.

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